Carlos Fico
O primeiro
ministro das Relações Exteriores do regime militar foi o embaixador Vasco
Leitão da Cunha (1964-1966). O embaixador do Brasil em Washington foi Juracy
Magalhães (1964-1965).
Entretanto, em 1965, o
ministro da Justiça, Mílton Campos, pediu para sair porque não concordava com a
iminente decretação do AI-2 e, por isso, Castello pediu a Juracy que assumisse
a pasta, retornando ao Brasil.
Logo depois, como o
AI-2 extinguiu os antigos partidos, Castello decidiu pôr no Ministério da
Justiça alguém que achava capaz de organizar o novo partido de sustentação do
regime e, assim, Juracy assumiu o Ministério das Relações Exteriores.
Vasco e
Juracy eram americanófilos. Julgavam que o Brasil devia se alinhar às posições
dos Estados Unidos.
Vasco foi
responsável por tentar desmontar a chamada “política externa independente”, que
prevalecia desde a gestão de Afonso Arinos de Melo Franco no governo Jânio
Quadros. Na época, Vasco se afastou da secretaria-geral do Itamaraty por
discordar de Afonso Arinos. Ele queria “que
nos mantivéssemos com os Estados Unidos” (1). O
embaixador dos Estados Unidos no Brasil disse que mantinha com
Vasco conversas “semi-pessoais e também semi-oficiais” (2). O
secretário de Estado, Dean Rusk, constrangia-se com a subserviência do Brasil e
chegou a dizer a Vasco que não esperava um alinhamento automático (3).
Juracy, quando
foi indicado para a embaixada em Washington, disse frase que ficaria célebre: “o que é bom para os Estados Unidos é bom
para o Brasil” (4). Em
Washington, evitava entregar documentos brasileiros ao governo norte-americano
que pudessem contrariar os Estados Unidos. O próprio Departamento de Estado achava
isso estranho. A propósito de um documento desse tipo, um assessor do
secretário de Estado ironizou Juracy: “O
embaixador brasileiro está segurando a carta” porque “ele não deseja de maneira nenhuma prejudicar os calorosos sentimentos e
o respeito” que Rusk e Johnson tinham pelo Brasil. Rusk teve de dizer que,
evidentemente, não havia nenhuma razão para que a carta não fosse entregue (5).
Para os
Estados Unidos, tanta boa vontade atrapalhava. Corriam piadas sobre o excesso
de subserviência do Brasil aos Estados Unidos que constrangiam o Departamento
de Estado: quando o embaixador norte-americano Lincoln Gordon deixou seu cargo
no Brasil, houve alguma demora até que o presidente Johnson indicasse o novo
embaixador, o que se justificava – dizia-se – porque o presidente americano “já tinha dois, Juracy Magalhães e
Roberto Campos” (ministro do Planejamento
igualmente americanófilo).
A
disposição excessivamente favorável de Juracy incomodava o governo
norte-americano:
Infelizmente, a imagem
projetada por Juracy Magalhães, Pio Corrêa e
Roberto Campos faz
pouco para dissipar a impressão que é semeada pelos antiamericanistas. Juracy
Magalhães (que
proclamou publicamente que o que é bom para o EUA é bom para o Brasil) e Campos
fazem pouco esforço para adequar suas declarações pró-americanas ao humor
político do país. Embora o ônus da acusação de que o governo brasileiro seja
subserviente em sua política externa aos EUA recaia sobre o Brasil e não sobre
os EUA, e assim não possa ser chamada de antiamericana per se, ela conduz o
agressor, quase automaticamente, a uma crítica à política externa
norte-americana (6).
Dean Rusk ainda era secretário de Estado em 1968, quando o
AI-5 foi decretado. Na ocasião, ele escreveu ao embaixador norte-americano no
Brasil dizendo que se arrependia da extrema associação com o regime militar quando
Juracy assumiu o Itamaraty: “como você sabe, a posteriori,
nós acreditamos que erramos, depois do ato de outubro de 1965, em não recuar mais
de nossa associação íntima e identificação pública com o governo de Castelo” (7).
NOTAS
(1) CUNHA, Vasco Leitão da. Diplomacia em alto-mar: depoimento ao
CPDOC. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV; Funag, 2003 p. 270.
(2) [(...) semi-personal and also semi-official, similar to our many talks in Rio
when he was Foreign Minister] Telegrama de Gordon a Tuthill, de 27 de outubro
de 1966. NARA. RG59, 1964/1966. Caixa 1933.
(3) [Nevertheless we consider that the interests of Brazil and the U.S. are
parallel, - and that on basic issues Brazil and the U.S have a mutuality of
interests] Memorando de conversação entre Rusk e Vasco, de 3 de dezembro de
1964. NARA. RG59, 1964/1966. Caixa 1945.
(4) MAGALHÃES, Juracy. Minhas memórias
provisórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 11.
(5) [The Brazilian Ambassador has been holding the letter, having
recommended to his government that it not be delivered until he could first
ascertain that it was timely and that you and President Johnson would not find
it unwelcome (...) He does no wish in any way to injure the warm feelings and
respect you and President Johnson have for Brazil, and he has asked ARA
informally to obtain your views in the matter (...) you know of no reason why
the letter from President Castelo Branco to President Johnson should not be
delivered] Telegrama de Jack Vaughn, do Bureau
of Inter-American Affairs, para Rusk, de 16 de setembro de 1965. NARA. RG59,
1964/1966. Caixa 1725.
(6) [Unfortunately the image projected by Juracy Magalhães, Pio Correa and
Roberto Campos does little to dispel the impression being sown by the
anti-Americans. Juracy Magalhães (who publicly proclaimed that what is good for
the U.S. is good for Brazil) and Campos make little effort to temper their
pro-American statements to the political mood of the country. While the burden
of the charge that the GOB is subservient in its foreign policy to the U.S. is
directed at the GOB and not at the U.S., and cannot, therefore, be termed
anti-American per se, it does lead the attacker almost automatically to a
criticism of U.S. foreign policy] Current
State and Future Outlook for Anti-Americanism in Brazil. 18 de agosto de
1966. NARA. RG59, 1964-1966. Caixa 1945. p. 17.
(7) [(...) as you know, in retrospect we believe we erred after October ’65
Act in not drawing back further from our close association and public identification
with Castelo Government] Telegrama de Rusk para Tuthill, de 25 de dezembro
de 1968. NARA. RG59, 1967-1969. Caixa 1910.
A subserviência agora vem com nova "roupagem militar". Inclusive "batendo continência à bandeira americana".
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