22 de nov. de 2018

Os Estados Unidos e o AI-5

Costa e Silva e Lyndon Johnson
Carlos Fico

O AI-5 causou muitos problemas para o governo norte-americano. Vendas de armas foram canceladas, novos empréstimos, suspensos. Um equipamento clandestino mantido em Fernando de Noronha teve de ser removido.


VENDA DE AVIÃO E EMPRÉSTIMOS
Quando o AI-5 foi decretado, no dia 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, os Estados Unidos cogitavam da venda do jato Douglas A-4 para o Brasil. Também estava sendo negociado o pacote de assistência para 1969, orçado em US$ 143 milhões.

As duas coisas estavam prontas para análise pelo presidente Lyndon Johnson, depois de terem sido aprovadas pelas agências pertinentes do governo norte-americano. Mas os "novos e altamente preocupantes eventos no Brasil" impediram sua efetivação.

Tudo foi suspenso. No dia 17 de dezembro de 1968, o Departamento de Estado informou o assistente de Segurança Nacional de que "os episódios do fim de semana tornam esse momento inadequado para novas ações americanas de apoio direto e público ao Brasil: assim, nós estamos adiando essas recomendações por enquanto". O documento iniciava afirmando que "O goveno Costa e Silva no Brasil transformou-se em uma virtual ditadura acabada nesse último fim de semana". Este documento tem duas páginas 1 2

EUA: BRASIL SE TORNOU UMA DITADURA MILITAR SEM DISFARCES
A posição crítica do governo norte-americano em relação ao AI-5 foi definida pelo secretário de Estado, Dean Rusk, em consulta com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, John Tuthill, entre os dias 17 e 20 de dezembro de 1968.

No dia 17, Rusk pediu uma avaliação ao embaixador no Brasil. Nesse documento de seis páginas (1, 2, 3, 4, 5, 6), ele pediu que o embaixador se concentrasse nos problemas mais preocupantes que exigiam decisão nos dias e semanas seguintes (isso está no parágrafo 1). Afirmou que o regime brasileiro havia se tornado uma ditadura militar sem disfarces, que o AI-5 era duro e que as medidas contra os direitos humanos, fortes (parágrafo 2).

Rusk também disse que era importante acompanhar os jornais: "Consideramos a imprensa brasileira uma das instituições democráticas mais importantes do país e acreditamos que ela proporcionará um dos primeiros sinais de abrandamento do regime, se isso acontecer" (parágrafo 3).

Rusk orientou a legação brasileira a mostrar claro descontentamento com o AI-5, mas, ao mesmo tempo, a evitar expressar infelicidade excessiva. Ele não queria que os funcionários norte-americanos dessem "lições" aos brasileiros e acreditava que a "tradição de moderação" acabaria prevalecendo (parágrafo 4).

O secretário de Estado sabia que "provavelmente não há como atingir plenamente esses objetivos incompatíveis, mas devemos nos esforçar para obter o melhor equilíbrio" (mesmo parágrafo, item c).

Não seria possível iniciar ou manter a cooperação em muitas frentes ("Essa é uma questão de fato"), mas, tampouco surpreender o Brasil com uma redução da assistência e cooperação (parágrafo 5). Essa atitude dúbia deveria ser seguida porque haveria muito em jogo. Rusk começa a listar os interesses norte-americanos (como a questão de 52.000 toneladas de trigo), mas a relação completa está censurada no documento (página 5 em branco).

No dia seguinte, Rusk enviou instruções para todas as embaixadas no continente americano e também para a representação norte-americana na ONU. Nesse documento de duas páginas (1, 2), ele diz que não haverá condenações públicas, mas demonstração de insatisfação de modo discreto e privadamente. Apesar de orientar no sentido da moderação, no final do telegrama Rusk acrescenta um "FYI", isto é, "For Your Information" (para sua informação): "De fato, estamos retardando ou interrompendo todas as novas formas de ajuda econômica ou militar até que a situação se esclareça".

No dia 19, ele escreveu novamente ao embaixador no Brasil (documento com quatro páginas 1, 2, 3, 4). Disse que seria desejável que fosse encontrada alguma maneira de o governo brasileiro voltar atrás em relação ao AI-5, "mesmo que parcialmente", embora percebesse "a margindalidade de nossa influência e a provável sensibilidade de figuras-chave no poder" (parágrafo 1), mas prosseguiu:

"No entanto, as apostas são altas. Uma ditadura militar equivocada e repressiva teria graves consequências para o Brasil e colocaria em marcha uma séria erosão nas relações EUA/Brasil, que devemos fazer todos os esforços para evitar. Sabemos que pode ser necessário suportar essa erosão temporariamente para que permaneçamos livres de identificação com o governo Costa e Silva e que nossos interesses de muito longo prazo possam ser melhor atendidos trabalhando com aqueles que se tornaram os grupos descontentes no país" (parágrafo 2).

O embaixador Tuthill respondeu no dia seguinte com um telegrama de duas páginas (1, 2). Disse que "o que aconteceu é o surgimento de tendência que tem estado em segundo plano por algum tempo. Visto nesse contexto, é provavelmente impraticável esperar que o equlíbrio possa ser reparado ou que o rolo compressor militar possa ser revertido" (parágrafo 2). Ele também informou que os militares brasileiros "estão todos muito interessados no que diz nossa imprensa e no que acontece com a nossa ajuda" (parágrafo 5).

EQUIPAMENTO SECRETO EM FERNANDO DE NORONHA
Quando o AI-5 foi decretado, havia um problema com as operações da Força Aérea norte-americana em Fernando de Noronha e Guararapes, em Recife: o governo brasileiro havia determinado que elas terminassem até o dia 20 de janeiro de 1969.

O Departamento de Defesa queria negociar a manutenção do acordo, mas, com o AI-5, não havia mais clima para isso. O embaixador Tuthill, em telegrama de duas páginas (1, 2), no dia 20 de dezembro de 1968, disse que seria "otimista demais esperar que as várias facetas das relações Brasil/EUA estejam suficientemente claras para permitir a negociação para a retenção da autorização de operação da Força Aérea dos Estados Unidos em Recife/Noronha antes da data de 20 de janeiro, estabelecida pelas autoridades brasileiras para a evacuação dessas instalações pela Força Aérea dos Estados Unidos" (parágrafo 2).

Três dias depois, o embaixador lembrou que a suspensão da venda do jato Douglas A-4 para a Força Aérea Brasileira, por causa do AI-5, tornaria ainda mais difícil qualquer acordo sobre Fernando de Noronha (1).

A base em Fernando de Noronha tinha instalações de hidrofonia para monitorar submarinos e também dava apoio a aviões militares norte-americanos de transporte aéreo estratégico em voos longos entre Cabo Kennedy, na Flórida, e a Ilha de Ascensão, no Oceano Atlântico. Havia, ainda, equipamentos de apoio a sistemas de localização de impacto de mísseis.

As negociações sobre as bases do Nordeste eram secretas, mas o governo brasileiro não sabia que em uma delas estava um equipamento capaz de monitorar testes ou explosões nucleares no mundo, o conversor de calor "B/20-4", que servia para medir o nível de gases raros, como o criptônio. Tinha o tamanho de uma geladeira, com dois metros de altura e 200 quilos: era fácil de esconder. Como esse tipo de medição tinha implicações políticas (já que testes eram realizados por países amigos dos EUA e do Brasil), o governo norte-americano manteve o equipamento clandestinamente na base nordestina brasileira. Por isso, no dia 31 de dezembro de 1968, o embaixador Tuthill escreveu telegrama de duas páginas (1, 2) ao Departamento de Estado:

"As atuais autoridades da Força Aérea Brasileira não estão instruídas sobre a verdadeira natureza da atual atividade da unidade B/20-4 instalada secretamente. Nessas circunstâncias, considero que a atividade deveria ser transferida para o consulado ou, se não for possível, retirada do país (...) Considero que uma tentativa, neste momento, de explicar a presença ou o propósito da unidade às autoridades da Força Aérea Brasileira, a fim de obter um adiamento de sua remoção, seria prejudicial para as relações entre a Força Áerea dos Estados Unidos e a Força Aérea Brasileira" (parágrafo 1, item A).

OUTROS DOCUMENTOS
  • 16 de dezembro de 1968 - Jornalista questiona Departamento de Estado sobre AI-5 (1).
  • 7 de janeiro de 1969 - Embaixador recomenda neutralidade e discute liberação de US$ 50 milhões (1, 2, 3)
  • 6 de maio de 1969 - Congresso dos EUA ameaça instalar comissão para estudar caso brasileiro (1, 2, 3).
  • 7 de maio de 1969 - Órgão de informações do Departamento de Estado analisa aposentadoria compulsória de professores (1, 2, 3, 4)
  • 16 de maio de 1969 - Órgão de informações do Departamento de Estado analisa AI-5 (1, 2, 3, 4, 5).
  • 13 de agosto de 1969 - Venda de jatos para o Brasil seria facilitada se houvesse "normalização" política (1, 2, 3, 4).

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