A biografia de Ernesto Geisel feita pelo Departamento de Estado dos EUA começou a ser rascunhada logo após o anúncio do nome do general como sucessor de Médici (junho de 1973).
No dia 2 de agosto de 1973, o secretário de Estado, William Rogers - pouco antes de deixar o cargo -, mandou um aerograma à embaixada dos EUA em Brasília pedindo comentários ao rascunho de biografia do futuro presidente do Brasil concluído em 27 de julho. Pedia, também, esclarecimentos sobre a correta pronúncia do nome de Geisel, informações sobre a necessidade de desincompatibilização dele e do irmão, Orlando Geisel, dados sobre o Colégio Eleitoral, confirmação sobre a experiência de Geisel na indústria petrolífera e sobre a irmã Amália.
O embaixador John Crimmins respondeu apenas no dia 8 de novembro, quando Henry Kissinger já havia se tornado o novo secretário de Estado. No aerograma que encaminhou o rascunho, Crimmins esclareceu as questões levantadas por Rogers.
No rascunho, o embaixador fez algumas correções à mão. Na página 3, ele relativizou a afirmação original segundo a qual Geisel teria uma atitude muito favorável em relação aos Estados Unidos. Ele propôs que se escrevesse "acredita-se que tenha" e sugeriu a retirada do "muito". Crimmins também não achava que Geisel era "amigável com o pessoal dos EUA no Brasil" e propôs que se redigisse "Apesar de seletivo em suas amizades e distante de qualquer cidadão estrangeiro, ele tem se mantido em termos cordiais com alguns funcionários americanos no Brasil". Ainda nesta página, o embaixador propôs eliminar toda uma frase sobre suposto estímulo de Geisel a viagens de orientação aos EUA para militares brasileiros. Corrigiu, ainda, a atribuição a Ernesto Geisel de convicções originalmente de seu irmão.
Na página 4, o rascunho afirma que Geisel teria informado a um oficial norte-americano, em maio de 1965, que os EUA não tiveram alternativa a não ser invadir a República Dominicana e que endossava a atuação norte-americana no Vietnã.
Informado por Paulo Egydio Martins, o rascunho anota, na página 5, que Geisel pretendia instituir reformas para dar participação mais ampla no processo de tomada de decisão política e abrandar a censura à imprensa.
Abordando o problema do narcotráfico, o rascunho registra, na página 6, posição de Geisel segundo a qual existiam algumas deficiências no tratamento do problema pelo Brasil, como a corrupção e a inatividade de alguns funcionários públicos e policiais brasileiros.
O embaixador Crimmins corrigiu erro de inglês na p. 10 quando o rascunho se refere à "Missão Geisel", de setembro de 1964, quando o então chefe da Casa Militar de Castello Branco foi enviado a algumas cidades para verificar a ocorrência de tortura e fez um relatório tergiversando. É possível que Crimmins também tenha tinha dúvida sobre ser pertinente mencionar o episódio.
Esse tipo de documento sempre busca levantar dados de natureza pessoal para melhor orientar as autoridades norte-americanas. Sobre a filha Amália, na página 12, o rascunho informa, sem correções do embaixador, que ela estava com 20 e poucos anos, era solteira e havia levado uma vida protegida. Seu pai a teria proibido de namorar até muito tempo depois da idade em que as jovens brasileiras o faziam.
Na mesma página, sobre o filho de Geisel, Orlando, que morreu num acidente de trem em 1957 (o rascunho registra, incorretamente, 1950) e cujo corpo foi reconhecido pelo pai, a biografia rascunhada dizia que, antes do acidente, Ernesto Geisel era uma pessoa feliz e extrovertida. O embaixador relativizou sugerindo que ele era apenas menos retraído e severo do que então.
Na página 13, o perfil austero de Geisel é acentuado: "calmo e modesto, ele não é particularmente ocupado socialmente e atende a poucos eventos sociais. Aprecia um bom vinho, mas essa é a única bebida alcoólica que ele toma. Joga xadrez para relaxar".
IMPORTANTE: os documentos aqui reproduzidos, outrora classificados como "Secret", foram desclassificados pela autoridade norte-americana pertinente conforme NND 969033
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