27 de nov. de 2018

Tudo o que você queria saber sobre o AI-5

Locutor Alberto Curi (direita) lê o AI-5 ao lado do ministro Gama e Silva
Carlos Fico

AI-5: o que foi? Por que foi editado? Como foi revogado? Conheça as respostas.

O QUE FOI
AI-5 é abreviatura de Ato Institucional número 5.

Os atos institucionais foram uma inovação da ditadura militar: não havia esse tipo de legislação na história dos diplomas legais do período republicano. O primeiro, editado em 9 de abril de 1964, não tinha número. Quando o segundo foi editado, eles passaram a ser numerados. Conheça todos os atos clicando aqui.

O AI-5 deu poderes aos presidentes da República (na época, o marechal Costa e Silva, que o assinou) para fechar qualquer casa legislativa, inclusive o Congresso Nacional - que foi imediatamente fechado por meio de um "ato complementar". Os atos complementares publicavam as decisões baseadas no ato institucional. Leia o ato complementar número 38 que fechou o Congresso Nacional no dia 13 de dezembro de 1968.

O AI-5 também deu ao presidente da República o poder de nomear interventores nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição.

O ato reabriu a temporada de suspensões de direitos políticos por dez anos de qualquer cidadão e de cassações sumárias de mandatos de parlamentares em qualquer nível (federal, estadual ou municipal) - duas das mais importantes formas de repressão política.

Os funcionários públicos de qualquer nível podiam ser removidos, aposentados ou postos em disponibilidade pelo presidente. Os juízes perdiam as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade.

A decretação do Estado de Sítio não mais dependia de aprovação do Congesso. O presidente também passou a poder decretar o confisco dos bens de qualquer funcionário acusado de corrupção em julgamentos sumários.

Talvez a mais grave imposição do AI-5 tenha sido a suspensão da garantia de habeas corpus no caso de pessoas acusadas de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Quer dizer, era fácil impedir que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse habeas corpus porque a definição desses crimes era dúbia. Se alguém fosse preso sob essas alegações, não poderia se valer do habeas corpus, mesmo que estivesse sendo interrogado sob tortura.

Além de tudo isso, nada do que fosse praticado com base no AI-5 poderia ser apreciado pela Justiça.

A CONJUNTURA
Em 1968, houve manifestações estudantis contra a ditadura militar. Passeatas marcaram os três meses posteriores ao assassinato do secundarista Edson Luís, em  28 de março, durante protesto dos estudantes contra as instalações precárias do bandejão Calabouço, no centro do Rio de Janeiro.

Os protestos (que ocorreram também em outras cidades) foram violentamente reprimidos pelas polícias militar e civil dos estados.

Os jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil, que haviam investido, pouco tempo antes, no fotojornalismo, publicaram muitas imagens das manifestações e da repressão, chocando a todos. Alguns de seus fotógrafos tinham proximidade com as lideranças estudantis e eram alertados previamente sobre as passeatas e protestos. Essas imagens das manifestações estudantis de 1968 são as mais conhecidas do período e muitos as confundem com a chamada "luta armada".

Não havia censura da imprensa, nem vigorava nenhum ato institucional. Por isso, as manifestações foram possíveis e as fotos puderam ser publicadas.

Os militares e civis mais radicais exigiram do presidente Costa e Silva um novo ato institucional, como o AI-1 ou o AI-2, que permitisse reabrir a temporada de punições "excepcionais" ou "revolucionárias", como eles diziam, isto é, cassações, suspensão de direitos políticos etc. - tal como havia ocorrido na época dos dois primeiros atos.

Costa e Silva (que havia assinado o AI-1) não queria novo ato. Conseguiu conter os radicais, em junho de 1968, durante reunião do Conselho de Segurança Nacional (CSN). Mas, a partir de então, os civis e militares mais radicais passaram a promover provocações (invasões de universidades, espancamento de artistas identificados com a esquerda etc.) a fim de criar clima de conflagração que obrigasse Costa e Silva a decretar novo ato. Veja, aqui, a cronologia de eventos de 1968.

Os radicais conseguiram um pretexto que ficaria famoso.

O PRETEXTO PARA A DECRETAÇÃO DO AI-5
As provocações deram certo. A Universidade de Brasília (UnB) foi invadida no dia 29 de agosto de 1968. Um aluno foi baleado na cabeça. Muitas prisões foram feitas e as cenas de violência, mais uma vez, chocaram a todos.

Na UnB, estudavam filhos de parlamentares, inclusive da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação da ditadura militar. Até mesmo os parlamentares da ARENA condenaram a invasão.

DISCURSOS DE MARCIO MOREIRA ALVES
O deputado de oposição pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro) do Rio de Janeiro, Marcio Moreira Alves, discursou na Câmara dos Deputados quatro dias depois da invasão da UnB, 2 de setembro de 1968, condenando-a. Ele se perguntou quando o Exército deixaria de ser um "valhacouto [abrigo] de torturadores". Ao contrário do que muitos afirmam, o discurso teve repercussão.




No dia seguinte, 3 de setembro de 1968, Márcio voltou à carga: fez novo discurso sugerindo que as moças, que dançariam com os cadetes nos bailes das escolas militares dali a poucos dias, no 7 de Setembro, os boicotassem. Foram dois discursos, e não um - como costumeiramente se diz.




Os discursos de Marcio Moreira Alves foram usados pelos militares e civis mais radicais para pressionar Costa e Silva a decretar o novo ato institucional que ele havia se negado a assinar em junho de 1968: os militares se diziam ofendidos pelas palavras do deputado.

Os ministros militares queriam punir Marcio, mas não podiam cassá-lo sumariamente por não estar em vigor nenhum ato. O governo precisou pedir licença à Câmara dos Deputados para processar Marcio Moreira Alves. Foi um processo relativamente longo.

Logo após o segundo discurso, no dia 5 de setembro, o ministro do Exército, Lyra Tavares, pediu (por meio de Exposição de Motivos confidencial) que o presidente Costa e Silva tomasse providências. No dia 10, o chefe do Gabinete Civil enviou solicitação assemelhada ao ministro da Justiça. No dia 19, o ministro da Aeronáutica reforçou o pedido e, no dia 28 de setembro, o ministro da Marinha disse claramente o que queria: a suspensão dos direitos políticos do deputado Marcio.

O regime detestava Marcio Moreira Alves, jornalista do Correio da Manhã que se celebrizara por denunciar a prática de tortura logo após o golpe de Estado de 1964.

PEDIDO PARA PROCESSAR MARCIO MOREIRA ALVES
No dia 2 de outubro, o ministro da Justiça, Gama e Silva, que era mais radical do que muitos militares, pediu ao Procurador Geral da República, Décio Meirelles de Miranda, que encaminhasse uma representação ao Supremo Tribunal Federal pedindo a suspensão dos direitos políticos do deputado.

Na época, a Procuradoria Geral da República não tinha a autonomia que só conquistaria após a ditadura militar, com a Constituição de 1988. O procurador, obediente, fez o que o ministro pediu no dia 11 de outubro de 1968.

O presidente do STF encaminhou a representação a um ministro relator. Coube a Aliomar Baleeiro fazer isso. Baleeiro era conservador, tinha sido deputado federal pelo famoso partido de direita UDN (União Democrática Nacional). Foi nomeado ministro do STF pelo marechal Castello Branco, primeiro presidente do regime militar.

Baleeiro poderia ter impedido que o processo contra Marcio prosseguisse. Mesmo na ditadura, a Constituição protegia os parlamentares com imunidade quando de discursos no exercício do mandato. Marcio falara da tribuna da Câmara. Aliomar Baleeiro optou, entretanto, por enviar o processo à Câmara, a fim de que os deputados concedessem, ou não, a licença solicitada pelos ministros militares para processá-lo. O despacho de Baleeiro, no dia 31 de outubro de 1968, foi bastante tortuoso.




O presidente do STF, baseado no despacho, enviou o processo à Câmara no dia 6 de novembro.

Dois dias depois, os ministros militares forçaram a barra: ameaçaram renunciar se a Câmara não aprovasse a licença para processar Marcio Moreira Alves. A renúncia dos ministros militares, naquela época, causaria grande turbulência política e poderia levar à deposição do marechal presidente Costa e Silva.

No dia 25 de novembro, percebendo que seria derrotado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o governo substituiu nove de seus membros a fim de obter a aprovação da constitucionalidade do pedido. Foi grande escândalo porque tal substituição em massa nunca havia ocorrido.

Quando a comissão afinal se reuniu, seu presidente, o deputado arenista Djalma Marinho, discordando do governo que apoiava, pronunciou discurso célebre, especialmente pela passagem em que cita Calderón de la Barca: "Ao rei tudo. Menos a honra".

O clima de emocionalismo havia tomado conta da cena política.

O recesso regular do Congresso iria começar, mas uma convocação extraordinária o manteve em funcionamento.

No dia 10 de dezembro, a Comissão de Constituição e Justiça, modificada à força pelo governo, aprovou a constitucionalidade do pedido. Derrotado, Djalma Marinho renunciou ao cargo de presidente da comissão, fortalecendo a posição dos deputados contrários à concessão da licença.

No dia 12, Marcio Moreira Alves discursou, defendendo-se: ouçaA Câmara dos Deputados, afrontando o marechal Costa e Silva e os militares em geral, não aprovou o pedido. 216 deputados o rejeitaram, contra 141 que o aprovaram e 12 abstenções. A votação durou horas. A deputada oposicionista Ivete Vargas, posicionada ao lado da cabine de votação, contabilizava cada voto contrário dizendo: "Este também é nosso!" Quando o resultado foi proclamado, as galerias e os deputados exultaram, cantando o Hino Nacional, julgando que o Congresso havia afirmado sua autonomia e força.



Mas, após a votação, todos sabiam que a ditadura reagiria. Alguns parlamentares sacaram dinheiro de suas contas da agência do Banco do Brasil no prédio do Congresso. Marcio Moreira Alves, com a ajuda de amigos, fugiu.



No dia seguinte, às 11h, o ministro da Justiça, Gama e Silva, apresentou ao presidente uma proposta de ato adicional à Constituição tão radical que levou o ministro do Exército, Lyra Tavares, a dizer: “assim você desarruma a casa toda!” Mas Gama e Silva  estava preparado: sacou rascunho de outro ato, que também não agradou Costa e Silva.

REUNIÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL
Costa e Silva queria submeter a proposta de ato ao Conselho de Segurança Nacional para compartilhar, com todos os ministros, que o integravam, a responsabilidade pela decisão.

Os ministros da Fazenda, Delfim Netto, e do Planejamento, Hélio Beltrão, foram chamados à parte, antes da reunião do CSN, para opinar sobre possíveis efeitos negativos para a economia. Disseram que não haveria problemas.

O conselho reuniu-se na tarde do dia 13 e aprovou o Ato Institucional número 5, que havia sido redigido por Gama e Silva, Rondon Pacheco, chefe da Casa Civil, e Tarso Dutra, ministro da Educação.

A reunião foi gravada. Ouça a gravação aqui ou leia a transcrição da gravação. A ata oficial da reunião pode ser lida aqui.

Uma das falas mais conhecidas dessa reunião é a frase do ministro do Trabalho, coronel Jarbas Passarinho. Ele evitou eufemismos e, aprovando o AI-5, disse a Costa e Silva: "Sei que a Vossa Excelência repugna (...) enveredar para o caminho da ditadura pura e simples, mas parece que, claramente, é esta que está diante de nós (...) Mas, às favas, senhor presidente, neste momento, todos, todos os escrúpulos de consciência".

Outro ministro presente, Delfim Netto, da Fazenda, disse a Costa e Silva: "(...) se vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela [a proposição do AI-5] não é suficiente". Anos depois, Delfim tentou justificar a aprovação que deu ao AI-5. O superministro, "Czar da Economia", diria que, com o AI-5, "fizemos uma reforma tributária que durou 25 anos. Em 1973, o Brasil era citado pelo Banco Mundial como exemplo nessa área".

Apoiadores do golpe de 1964, ex-auxiliares de Castello Branco, que eram críticos de Costa e Silva, disseram a autoridades norte-americanas que o AI-5 era um erro. O general Golbery do Couto e Silva, ex-chefe do SNI, disse ao embaixador norte-americano que o AI-5 "era totalmente desnecessário para combater possíveis ameaças subversivas ou para realizar as reformas que o país precisa". Disse também que o AI-5 "destruiu inutilmente instituições existentes e prejudicou a reputação internacional do Brasil". O documento tem cinco páginas (1, 2, 3, 4, 5). A passagem está no tópico 2, da página 2.

Roberto Campos, ex-ministro do Planejamento de Castello Branco, garantiu ao diretor de Assuntos Brasileiros do Departamento de Estado, Jack Kubisch, que "os militares tinham tido esse gosto do poder e parecia que eles gostavam, até sedentos por mais". Isso está na segunda página do documento que tem três no total (1, 2, 3).

O embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Mario Gibson Barboza, tentou negar que o AI-5 implicava uma ditadura. Em conversa com funcionários do Departamento de Estado, em 21 de agosto de 1969, ele garantiu que o Brasil não havia se tornado uma ditadura. Conforme o secretário de Estado Assistente Adjunto, John Crimmins, Gibson Barboza "não se considerava, em absoluto, o embaixador de uma ditadura militar". O documento tem  cinco páginas e essa passagem está na segunda (1, 2, 3, 4, 5).

Um dos líderes da linha-dura, o coronel Ferdinando de Carvalho, também foi ouvido pelos norte-americanos. Ferdinando falava por si só, já que era apenas um militar exaltado sem maiores ligações com o poder. Conheça suas considerações neste documento de oito páginas (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8).

Conheça a reação crítica dos EUA ao AI-5 em outro post deste blog.

POR QUE FOI DECRETADO?
Não foram os discursos de Marcio Moreira Alves que levaram ao AI-5. O ato também não foi decretado para coibir as manifestações estudantis.

Muitos militares e civis apoiadores da ditadura dizem que o AI-5 veio porque a esquerda radicalizou, optando pela "luta armada". Entretanto, as ações armadas da esquerda se avolumariam apenas em 1969, depois do ato.

Na verdade, militares e civis radicalizados estavam insatisfeitos com o que entendiam ser a suposta fraqueza do regime desde 1964. Eles achavam que a punição de comunistas, subversivos ou corruptos não fora completada, a "depuração" não havia sido completa. O primeiro ato institucional e o AI-2 haviam definido prazos para a aplicação das punições excepcionais.

Os radicais queriam mais: o AI-5 expressou a vitória desse grupo. Eles entendiam que o Brasil só se tornaria uma potência mundial se eliminasse os supostos comunistas, subversivos e corruptos.

QUAIS FORAM AS CONSEQUÊNCIAS?
O AI-5 gerou consequências imediatas. O Congresso foi fechado.

Na noite de sua decretação, o ex-presidente Juscelino Kubitschek foi preso.

No dia seguinte, o ex-governador Carlos Lacerda também foi preso.

No dia 30 de dezembro de 1968, onze deputados federais foram cassados. No dia 19 de janeiro de 1969, saiu nova lista de cassações com dois senadores, 35 deputados federais, três ministros do STF e um do STM.

Ao todo, 333 políticos teriam seus direitos políticos suspensos em 1969.

O AI-5 permitiu a montagem de sistemas nacionais de repressão política. Os dois principais sistemas foram o SISSEGIN (Sistema de Segurança Interna no País) e o SISNI (Sistema Nacional de Informações). Havia muita violência antes do AI-5, mas esses sistemas nacionais institucionalizaram uma efetiva repressão política. Há significativas diferenças entre a tradicional violência da polícia brasileira e a montagem de sistemas de repressão política institucionalizados.

O SISSEGIN dividiu o país em seis ZDIs (Zona de Defesa Interna). Em todas elas, instalou-se um Destacamento de Operações de Informações (DOI), formalmente subordinado a um Centro de Operações de Defesa Interna (CODI): eram os DOI-CODI.

Esses destacamentos faziam a prisão e o interrogatório dos inimigos do regime. Os prisioneiros eram muito frequentemente interrogados sob tortura - já que não era possível contar com garantias da Justiça, como o habeas corpus e a necessidade de se comunicar prisões ao sistema judiciário. Várias pessoas morreram em decorrência da tortura.

Além dos DOI-CODI, as secretarias estaduais de segurança pública também se engajaram na repressão, até porque os secretários de Segurança Pública passaram a ser nomeados pelo governo federal, não pelos governadores. As delegacias estaduais de ordem política e social (DOPS) também prendiam, interrogavam e torturavam.

Conheça o documento que regulou o SISSEGIN aqui.

O SISNI implantou órgãos de informações em todas as repartições públicas brasileiras. Eram as DSIs (Divisão de Segurança e Informações). Os brasileiros passaram a ser vigiados nos ministérios, nas universidades, nas empresas estatais etc. Os agentes de informações se intitulavam "comunidade de informações". Trocavam papeis entre si, os "informes", as "informações" e as "análises" da comunidade de informações. Passaram a ter muito poder porque inspiravam medo: quando alguém era fichado pela comunidade de informações, fatalmente teria problemas.

Um terceiro sistema de repressão foi a censura política da imprensa, que também se organizou institucionalmente, de maneira clandestina, graças ao AI-5: um órgão secreto foi criado no Ministério da Justica, o Setor de Imprensa do Gabinete (SIGAB), subordinado ao diretor-geral do Departamento de Polícia Federal. Esse órgão centralizava todos os pedidos de censura, enviados por diversas autoridades, e produzia uma lista de "proibições determinadas", isto é, assuntos que não poderiam ser publicados pela imprensa. Essa lista era informada às redações por telefonemas ou enviada por escrito. Em alguns órgãos da imprensa, a ditadura instalou um militar que fazia, presencialmente, a censura prévia da publicação.

Portanto, a ditadura passou a contar com uma polícia política (SISSEGIN), com ampla rede de espionagem (SISNI) e com censura política. Os integrantes desses sistemas sentiam-se todo-poderosos. Além disso, o regime criou mecanismos que amenizaram o impacto da repressão, especialmente a propaganda política, que vendia a imagem de um país "que ia pra fente". Também foi significativa a implantação de disciplinas escolares de "moral e cívica", que tentavam doutrinar crianças e adolescentes com visões nacionalistas e patrióticas em defesa do regime.

A propaganda e a censura política impediam que os brasileiros tivessem conhecimento amplo das arbitrariedades do regime. Por isso, até hoje, muitos consideram que a ditadura brasileira não foi muito repressiva.

COMO O AI-5 FOI REVOGADO?
O próprio marechal presidente Costa e Silva, que assinou o ato, quis revogar o AI-5. Ele tentou fazer o que os militares chamavam de "institucionalização", inspirando-se no marechal presidente Castello Branco, que havia tentado tal coisa.

A institucionalização consistia em incorporar na Constituição algumas das medidas de força que constavam dos atos instititucionais. Isso é importante para entendermos o pensamento dos militares: os atos eram chamados de "institucionais", mas eram vistos pelos próprios militares como "excepcionais" (o que de fato eram). Para efetivamente institucionalizar o regime seria preciso torná-los "constitucionais". Ou seja, aspectos dos atos institucionais deveriam ser constitucionalizados para institucionalizar a "democracia forte" almejada pela ditadura. "Democracia forte" é algo que sempre foi desejado pelo pensamento autoritário brasileiro desde a Primeira República.

Castello Branco havia tentado fazer isso com a Constituição de 1967, que ele impôs ao país. Essa Constituição foi aprovada a toque de caixa pelo Congresso Nacional. Castello Branco queria que Costa e Silva governasse sem atos institucionais, mas com uma constituição forte. A Constituição de 1967 tornava o Estado de Sítio mais rigoroso. Castello também aprovou Lei de Segurança Nacional que estabelecia a noção de "inimigo interno" (comunistas, subversivos etc.) e impôs Lei de Imprensa draconiana.

Mas isso não deu certo: as manifestações de 1968 pareciam desafiar o arranjo institucional de 1967 de Castello Branco. Daí a "necessidade" do AI-5, segundo os radicais.

Logo depois que assinou o AI-5, o marechal Costa e Silva decidiu fazer o mesmo que Castello Branco: uma nova constituição. Pediu ao vice-presidente, o político civil conservador Pedro Aleixo, que presidisse comissão de "notáveis" para fazer isso. O grupo foi presidido por ele e integrado por Rondon Pacheco, Helio Beltrão, Temístocles Cavalcanti, Carlos Medeiros e Miguel Reale. Costa e Silva participou ativamente dos trabalhos de redação da nova constituição.

Essa constituição nunca seria promulgada. Em seu artigo 182, ela dizia que "o presidente da República, quando considerar de interesse nacional, fará cessar, mediante decreto, a vigência de qualquer ou de todos os dispositivos constantes do Ato Institucional n. 5". Costa e Silva marcou data para reabrir o Congresso e promulgar a nova carta: 1 de setembro de 1969. Os ministros militares eram contrários. Sob pressão, no dia 27 de agosto, Costa e Silva teve uma trombose que o afastaria definitivamente do poder.

Costa e Silva, doente, confortado pela mulher

Os ministros militares deram um golpe de Estado, impedindo que o vice-presidente, Pedro Aleixo, assumisse a Presidência. Eles se intitularam "Junta Governativa Provisória" e passaram a governar, ainda com o marechal presidente vivo e mantendo Pedro Aleixo subjugado.

A constituição de Costa e Silva foi adaptada e outorgada pela unta sob o título de "Emenda Constitucional n. 1", mas não era uma emenda, era toda uma constituição. O artigo que previa a revogação do AI-5 passou a ser lido assim: "Continuam em vigor o Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, e os demais atos posteriormente baixados".

Muitos anos mais tarde, o general presidente Ernesto Geisel conseguiu, afinal "institucionalizar" o regime. Ele outorgou emenda constitucional que extinguiu o AI-5 e, no seu lugar, introduziu, na Constituição, a possibilidade de decretar o Estado de Emergência, espécie de Estado de Sítio muito rigoroso que não dependia da aprovação do Congresso Nacional. Esse foi um dos passos da "abertura política" que Geisel e seu sucessor, o general presidente João Figueiredo, levaram a cabo.

Somente com a Constituição de 1988 o Brasil se livraria do Estado de Emergência imposto por Geisel em substituição ao AI-5.

Um comentário:

  1. Encontrei a a matéria por acaso. Excelente Vou sugerir com leitura para alguns amigos.

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